Quilombos Invisíveis: O Que Ainda Não Contaram Sobre o Sertão Negro

Quilombos Invisíveis: O Que Ainda Não Contaram Sobre o Sertão Negro

Quando o Silêncio Também é uma Forma de Violência

Imagine olhar para um mapa do Brasil e perceber que há territórios inteiros que simplesmente não existem — não por ausência de vida, mas por ausência de reconhecimento. Agora, feche os olhos e tente desenhar, na sua mente, o retrato do sertão nordestino. O que você vê? Um chão seco, vaqueiros de chapéu de couro, cangaceiros, casas de taipa, festas juninas? Provavelmente, sim.

Mas onde estão os rostos negros desse sertão? Onde estão as histórias das comunidades quilombolas, das mulheres de turbante amassando massa de beiju, dos homens que tocam tambores enquanto batem a enxada na terra seca, das crianças que brincam de roda sob a sombra dos juazeiros?

Esses rostos existem. Essas histórias existem. Mas quase nunca são contadas.

O apagamento histórico dos quilombos sertanejos é uma ferida aberta no corpo da nossa história. Uma ferida que lateja silenciosamente, ignorada pelos livros didáticos, pela mídia, pelas novelas e pelos discursos oficiais. E não se trata de um esquecimento acidental, mas de um silêncio arquitetado, fruto de séculos de racismo estrutural, colonialismo e negação da contribuição negra na construção do sertão.

Este artigo é uma tentativa de quebrar esse silêncio. De arrancar a lona que encobre essa parte essencial da história brasileira e dizer, em alto e bom som: o sertão também é negro. E os quilombos do sertão são territórios de resistência, memória e futuro.

O Brasil e Seus Territórios Invisíveis: O Racismo Como Projeto Nacional

A construção do Brasil foi feita sob a lógica da exploração, do apagamento e da negação dos povos negros, indígenas e pobres. Desde o período colonial até os dias atuais, as elites econômicas e políticas do país se dedicaram a contar uma história que favorece sua própria existência, sua própria permanência no topo.

No centro-sul, os quilombos são, em parte, reconhecidos. Palmares, na Serra da Barriga, virou símbolo nacional. Mas no sertão nordestino — uma região já marginalizada pela narrativa nacional —, o apagamento é ainda mais profundo.

O racismo estrutural age não só na exclusão econômica, mas também no silenciamento da memória. Quilombos são escondidos, ignorados, apagados dos mapas, dos registros, da mídia e das narrativas hegemônicas. Seus moradores são vistos como “pobres rurais” genéricos, sem identidade, sem história, sem nome.

O não reconhecimento dos quilombos não é apenas uma questão simbólica — tem efeitos diretos na falta de acesso à terra, à educação, à saúde e às políticas públicas de proteção dos povos tradicionais.

O Sertão Nordestino: Território de Resistência, Não de Invisibilidade

O sertão é, há séculos, apresentado como terra de branco, de vaqueiro, de cangaceiro, de retirante. Essa construção não é neutra: ela apaga deliberadamente a contribuição dos negros e negras que fugiram das fazendas, se refugiaram na caatinga e construíram ali seus quilombos.

Quando os primeiros africanos escravizados foram trazidos para o Brasil, muitos foram destinados ao trabalho nos engenhos de açúcar no litoral. Outros, porém, foram levados para as fazendas de gado no sertão, onde a fiscalização era menor e, portanto, as fugas eram mais frequentes. É assim que surgem dezenas — talvez centenas — de quilombos escondidos no interior da caatinga.

Esses quilombos não são apenas lugares de moradia. São espaços de preservação de culturas africanas, misturadas com saberes indígenas e sertanejos. São territórios de espiritualidade, culinária, música, medicina tradicional e luta pela sobrevivência.

O sertão negro existe. Ele pulsa. Ele resiste. Mas quase ninguém fala sobre ele.

Quilombos Sertanejos: Vidas, Saberes e Histórias Apagadas

Por que não ouvimos falar dos quilombos do sertão?

Porque suas histórias incomodam. Contar que o sertão foi também um território negro, de resistência, quebra o mito do sertanejo como exclusivamente branco, descendente de portugueses e donos de gado.

Quem são essas pessoas?

São famílias inteiras que carregam no corpo e na fala as marcas da resistência. Mulheres como Dona Severina, de 83 anos, do Quilombo Lagoa dos Campinhos (SE), que há mais de seis décadas mantém viva a tradição do rosário cantado nas noites de sexta-feira. Ou como Dona Zefinha, do Quilombo Conceição das Crioulas (PE), que aprendeu com a mãe e a avó a fazer renda de bilro — não apenas como ofício, mas como herança de identidade.

O que mantém essas comunidades vivas?

O que mantém é a cultura. É a fé, nos santos católicos e nos encantados. É a comida feita com farinha tirada do próprio roçado. É a roda de coco, o samba de roda, os batuques. É a palavra, passada de boca em boca, de geração em geração.

Eles são invisíveis para quem escolhe não enxergar. Mas para quem pisa esse chão, eles são memória viva.

Convite à Reflexão: O Que Você Vai Fazer Com Essa Verdade?

Saber que existem quilombos no sertão — e que eles foram invisibilizados por séculos — não pode ser só informação. Precisa ser incômodo. Precisa gerar desconforto. Precisa provocar ação.

Porque enquanto as histórias não forem contadas, os direitos não serão garantidos. Enquanto as existências forem apagadas, as injustiças continuarão.

O que você pode fazer?

Fale sobre isso. Compartilhe. Leve essa conversa para sua roda de amigos, para sua sala de aula, para suas redes.

  • Apoiar: Busque produtos, artesanatos, alimentos e projetos feitos por comunidades quilombolas.
  • Pressionar: Cobre políticas públicas, apoio às titulações de terras quilombolas, reconhecimento legal.
  • Aprender: Escute mais, leia mais, procure saber diretamente das fontes: os próprios quilombolas.

Porque toda vez que uma história é contada, uma injustiça é desafiada. E se existe uma coisa que o sertão nos ensina é que, assim como o mandacaru brota mesmo no chão seco, a resistência também floresce onde menos se espera — desde que tenha quem regue com memória, verdade e coragem.

Contexto Macro — O Mundo e o Brasil: Racismo, Colonialismo e Resistência

O mundo carrega marcas profundas do colonialismo. Por mais de cinco séculos, a escravidão de povos africanos foi a base de construção de riquezas nas Américas, na Europa e até em parte da Ásia. No Brasil, esse modelo se perpetuou de forma brutal. Nenhum outro país das Américas recebeu mais africanos escravizados que o nosso. Foram mais de 5 milhões de homens, mulheres e crianças sequestradas de seus territórios e trazidas para alimentar a máquina do trabalho forçado.

Quando se fala em herança da escravidão, é comum que os olhos se voltem às plantações de açúcar no litoral, às minas de ouro e às grandes fazendas do sudeste. Pouco se discute sobre a interiorização desse sistema, que também colonizou o sertão nordestino — lugar de vaqueiros, gado, seca, mas também de dor, resistência e negritude invisibilizada.

O racismo estrutural que foi plantado no período colonial continua a operar até hoje. Ele não apenas exclui economicamente, como também apaga histórias, territorialidades e presenças negras que ajudaram a construir o país.

Contexto Regional — O Sertão Nordestino: Território de Silêncio ou de Resistência?

Quando se fala em sertão, o imaginário nacional pinta a cena com cores específicas: o vaqueiro de chapéu de couro, o cangaço, o forró pé-de-serra, a fé católica popular, as romarias, a seca, o mandacaru.

Porém, há uma camada dessa paisagem que historicamente foi jogada para a sombra: a presença negra, viva, pulsante, ancestral, que ajudou a construir a economia, a cultura e a identidade sertaneja.

Durante séculos, o sertão nordestino foi espaço de fuga. Fugiam dali os corpos que se recusavam a ser mercadoria. Homens e mulheres que romperam as correntes formaram comunidades escondidas na caatinga, longe dos olhos dos senhores, perto da proteção da mata seca, dos rios intermitentes e das serras.

São os quilombos sertanejos — menos conhecidos, menos documentados, mas tão resistentes quanto qualquer outro núcleo de libertação negra no Brasil.

Se no imaginário nacional Palmares ganhou espaço, os quilombos do sertão nordestino ficaram à margem: não por inexistência, mas porque foram — e continuam sendo — sistematicamente apagados.

Foco Específico — Quem São os Quilombos Sertanejos? O que Eles Representam?

Os quilombos sertanejos são comunidades formadas, em sua origem, por famílias negras que resistiram à escravidão e criaram formas próprias de viver, baseadas na coletividade, no cuidado com a terra, na preservação dos saberes ancestrais e na autonomia.

Eles estão presentes em todos os estados do semiárido nordestino. No entanto, sua visibilidade é muito menor que a dos quilombos localizados no litoral ou nas áreas urbanas.

Por quê? Porque o sertão sempre foi visto como uma periferia da periferia — social, econômica e simbolicamente. E dentro desse espaço marginalizado, ser negro é carregar um peso ainda maior de apagamento.

Quem são essas pessoas?
São agricultores, rendeiras, parteiras, rezadeiras, mestres da cultura, jovens que lutam pela preservação de suas tradições e pela conquista da titulação de suas terras.

O que guardam?
Guardam línguas, culinárias, práticas religiosas que misturam o catolicismo popular, os encantados da terra, a herança africana e os saberes indígenas.

O que enfrentam?
Fome, falta de acesso à terra, racismo, ausência do Estado, mas, principalmente, o silêncio. Um silêncio que tenta dizer que eles não existem, não pertencem e não têm direito à memória.

E, no entanto, eles seguem resistindo. Seja na roda de coco, no samba de roda, no toque dos tambores, nos oratórios das casas, no cuscuz dividido na mesa de barro ou na luta diária para manter viva a própria história.

Convite à Reflexão e Ação — E Você, O Que Vai Fazer Com Isso?

Saber que o sertão também é negro, que ele abriga comunidades quilombolas vivas, resistentes, cheias de cultura e saber, não pode ser apenas informação.

Esse conhecimento exige responsabilidade. Exige que você, leitor ou leitora, olhe de novo para o mapa do Brasil e perceba os territórios que foram apagados — e que precisam ser recolocados no centro da história.

O que você pode fazer?

  • Espalhar essas histórias. Fale sobre isso nas redes, na sua escola, na sua comunidade, nos seus espaços.
  • Apoiar os quilombos. Compre produtos de comunidades quilombolas, visite-os com respeito, valorize seus saberes.
  • Cobrar políticas públicas. A luta pelo acesso à terra, pela saúde, pela educação e pela preservação cultural não é apenas dos quilombolas — é uma luta de todo país.
  • Se reconectar com a história verdadeira. Leia autores quilombolas, ouça mestres e mestras de saber, fortaleça a circulação de vozes que sempre foram silenciadas.

Porque toda vez que uma história é esquecida, um direito é negado. E toda vez que uma história é contada, uma injustiça começa a ser reparada.

O sertão negro existe. E a partir de agora, você não pode mais dizer que não sabia.

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